sábado, 12 de maio de 2007

Sapato preto, meia branca, ou a amazona do Campo Pequeno

Não se podia dizer que fosse baixo. A camisa era pingona, a imitar seda. O padrão não era dos mais ofensivos e o tom acinzentado, evitava que o transeunte desprevenido virasse a cara à ultima da hora. O peito estava à mostra quase até à curva superior da barriga, revelando uma pelagem negra e rala. Do pescoço pendia, com o peso de um crucifixo, uma corrente dourada. As calças eram de ganga, de uma daquelas marcas obscuras, que se caracterizam pela sua ausência. Os sapatos, de luva, com berloques, eram pretos e já tinham andado na guerra de catorze. As meias eram brancas e grossas. À cintura, preso ao cinto, ali estava, vertical, a peça incontornável. O telemóvel. Verdade seja dita que não estava de frente, mas já a caminho das costas. Mas nem isso ajudava.

A figura caminhava pela Avenida da República fora, confiante. Trauteava, em consonância com o seu andar gingão, o Staying Alive. Imaginava-se o Travolta dos velhos tempos. Levou os dedos ao cabelos escuros, puxando-os para trás, sem que tal produzisse qualquer melhoria. Teve o azar de tocar com a mãos nos óculos espelhados, o que os fez saltar e cair para o chão. Estava no Campo Pequeno.

- Fôôôdââssssss, disse ele com voz anasalada, correcta e firmemente, enquanto se baixava para apanhar os óculos.

Um ligeiro odor a alho assinalava a sua passagem, o que não admirava, visto já passar da hora do almoço. Além disso tinha um palito ao canto da boca.

Vendo-o de longe dir-se-ia que auto-confiança e auto-estima eram os seus nomes do meio, já que não se coibia de presentear todas as jovens mulheres que por ele passavam com piropos elegantes. Pena foi que, de um modo geral, todas se apresentassem tão indispostas e com caras tão enjoadas, isto quando se dignavam a olhar para ele.

De repente, ao longe, avista uma mulher de cuecas, soutien e meias de ligas, montada numa vassoura. Mesmo áquela distância era possível ouvir-lhe os gritos:

- Anda cavalinho, anda...pócótó, pócótó

O jovem ficou imediatamente fascinado. Imóvel e boquiaberto, como aliás, a maioria das pessoas que se encontravam na rua áquela hora, colocou-se, propositadamente, no caminho da jovem amazona que se aproximava, forçando-a a parar. O palito caiu. Atirou os óculos de sol para o chão (de qualquer modo já estavam rachados). Estendeu o braço e tocou-lhe no ombro. Nem uma palavra foi trocada. Deu uma reviravolta, alçou a perna e montou na vassoura. Com a mão direita tocou-lhe ao de leve na nádega, um pequeno incentivo para que continuasse. Ela não se fez rogada. Partiram rumo ao Saldanha. Enquanto ele produzia sons cavalares, ela gritava

- Hi ho Silver!

3 comentários:

Lua disse...

O que me ri com a tua descrição desse macho men:))
Pareçe-me que o estilinho Galã dele ainda consegue agradar a algumas meninas:))

está muito giro o teu post.

beijocas

Anónimo disse...

Só falta a unhinha comprida no dedo mindinho.

Stella Nijinsky disse...

Surreal mesmo!
Fartei-me de rir, obrigada por partilharem a vossa boa disposição!
Stella