quinta-feira, 14 de junho de 2007

O improvável tenor

domingo, 27 de maio de 2007

Tonicco e Juanito entrevistam Sweetjane

Tonicco: Do meu projecto criativo, quase aquático, destinado a aterrorizar o quotidiano do mais incauto, logo a partir das primeiras horas da manhã, já dei, oportunamente conta, e em boa hora, face à iniciativa do FIDS. Fala-nos, agora, do teu projecto, ó Sweetjane?

Sweetajane: Qual deles? Os homens xx?

Juanito: Ó Sute, julguei que eram triple X....

Sweetjane: Julgaste mal...

Tonicco: Hum...isso era capaz de ser interessante, mas mais logo, quando estivermos sózinhos...

Sweetjane: Dream on single X

Juanito: Bem, avançando, afinal que projecto é esse?

Sweetjane: Creio que se estão a referir ao projecto linguístico do “políticamente correcto” como forma de combater e sublimar a culpa neurótica, que se sente por tudo e por nada, sobre a qual, aliás, já amplamente dissertei neste blog.

Tonicco: Touché.

Juanito: Hein?

Sweetjane: É um projecto de desenvolvimento de conceitos e, concomitantemente, de expressão oral, que visa incorporar no nosso imaginário colectivo, tanto quanto possível, valores e princípios anti-discriminatórios. Trata-se de expurgar o nosso discurso dos condicionamentos e preconceitos mais veiculados nesta nossa cultura ocidental.

Juanito: Passou-se. Tá louca.

Tonicco: Não te precipites, ó Juanito, deixa-a expor o seu ponto de vista...

Juanito: Sim, ó Sute, surpreende-me, se puderes.

Sweetjane: É simples. É mais fácil com alguns exemplos. Por exemplo tu, ó Juanito. Deixarei de dizer que és baixo! Isso molda a ideia que os outros farão de ti com base na representação que fazem do “ser baixo”. É preciso combatê-lo vigorosamente! Quanto a mim, não te refiras a mim como “louca” e sim como “intelectualmente desafiante”.

Tonicco: Mas sabes o que dizem dos baixos não sabem? Isso também não fará parte do imaginário colectivo?

Sweetjane: Não, ó Tonicco, não sei. Esclarece-me.

Juanito: Ó altazanas nórdica, deixa lá isso. Não será a tua perspectiva que está alterada? É que na minha perspectiva tu é que és gigantones.

Sweetjane: Mas ouve, ó Juanito, a beleza do meu projecto está em alterar essa perspectiva. Elejamos uma média e referenciemos-nos a ela. Assim, tu serás verticalmente desfavorecido e eu verticalmente favorecida.

Juanito: E o Tonicco será horizontalmente enriquecido, não?

Sweetjane: Quê, um half X?

Juanito: Estou a falar do peso, darling, do peso. Do carácter rotundo da sua “personalidade” (risos )

Sweetjane: (risos incontroláveis com lágrimas irreprimíveis)

Tonicco: Eu sou pelo menos um double XX, mas hey, não sou eu que o digo....

Sweetjane: Pois, pois....mas voltando ao tema do projecto....

Juanito: Ainda não estou convencido de que seja verticalmente “desfavorecido”...

Sweetjane: Mas, por outro lado, é inegável que o Tonicco é mais fortemente pigmentado do que tu, ó Juanito. E tu, ainda mais pigmentado que eu.

Juanito: Lá estás tu com a mania que és nórdica, ó nórdica.

Sweetjane: Poderei não ser nórdica mas sou cosmeticamente atraente, enquanto tu, ó Juanito, és visualmente controverso. E do Tonicco nem saberia o que dizer...

Tonicco: A mim pouco me importa uma coisa ou outra, porque as gajas não se queixam. Aliás, podem confirmá-lo no meu blog “Todas as gajas que eu já comi”, outro dos meus projectos de grande fôlego.

Sweetjane: Desculpem lá, mas isto assim não vai a lado nenhum. Témaisloguin.

Tonicco e Juanito: Hein?

Sweetjane: Queria dizer só mais uma coisa.

Juanito: O que é ó Sute, o que é? Mais uma ideia peregrina? Vá surpreende-me!

Sweetjane: SPÓÓÓÓÓRTING

Agradecimentos a James Finn Garner

terça-feira, 22 de maio de 2007

FIDS entrevista Tonicco


FIDS – Boa tarde, Tonicco.

Tonicco – Boa tarde.

FIDS – Queres falar-nos então do teu novo projecto?

Tonicco – Bom, o site das miúdas sem pernas está ainda a começar, foi uma ideia que eu tive no d…

FIDS – Eu referia-me à tua nova incursão no sector dos equipamentos para duche…

Tonicco – Ah, isso. É que se não me dás pistas, é difícil, porque estou envolvido em muitos projectos.

FIDS – Fala-nos deste, então.

Tonicco – No mês passado estava a tomar duche e tive uma revelação; naquele momento apercebi-me de que os duches são uma coisa óptima, e tudo isso, mas senti a falta de um certo terror.

FIDS – Terror? No duche?

Tonicco – Sim, repara na calmaria insípida que tu sentes quando estás no duche… Chato, não? O duche é suposto acordar-te, revigorar-te, e preparar-te para o clima que vais encontrar no trabalho, não? Como fazer isso com um chuveiro comprado no hipermercado? Impossível.

FIDS – Foi aí que nasceu esta ideia?

Tonicco – Se não te importas, prefiro “projecto”.

FIDS – Está bem.

Tonicco - …

FIDS - ?

Tonicco - …

FIDS – Foi aí que nasceu este projecto?

Tonicco – Sim. Saí do duche tal e qual como estava, e fui para a prancha de desenho. O projecto saiu-me à primeira.

FIDS – Esta é a primeira e definitiva versão?

Tonicco – Bem, as primeiras tive de deitar fora, porque eu estava a escorrer água e sabão, pelo que as três primeiras pranchas foram para o galheiro. Mas o projecto não mudou.

FIDS – Então a ideia-base do projecto é “terror”.

Tonicco – Mas um terror com propósito, repara, um terror com um objectivo; um terror que te ajude na vida prática, que te seja útil, que te ajude no dia-a-dia a teres uma melhor performance.

FIDS – O terror pode fazer isso?

Tonicco – Pode. É por isso que gosto deste meu duche-máscara-de-gás. Ele incute o medo bem até às profundezas da minha alma, que é o que eu procuro em qualquer equipamento sanitário. E depois são os detalhes que o tornam especial: os buracos para os olhos guardam o teu sabão, a tua escova, etc., e o projecto parece estar a sair da parede, em lugar de estar simplesmente pregado a ela. Numa palavra: terror.

FIDS – Sim, lá agradável não é.

Tonicco – Tantos homens criticados por urinar no duche… Eu agora estou apenas a dar-lhes um bom motivo. Um motivo biológico, neurológico.

FIDS – O projecto irá estar à venda ao grande público?

Tonicco – Odeio o “grande público”. Mas também não quero limitar este projecto aos possidónios que frequentam o Harrod’s ou que licitam na Christie’s. A minha ideia é criar um canal de comercialização não demasiado elitista, mas também não quero ver este projecto nas mãos de marroquinos.

FIDS – Obrigado, Tonicco. Votos de grande sucesso para esta tua ideia.

Tonicco – Prefiro “projecto”. Muito obrigado.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Como Não Embrulhar Um Plasma Para Entrega





























COMENTÁRIOS DOS LEITORES:

1. Maria João Fouto - May 16, 2007 1:47 PM

Dá-me vontade de chorar. Quero mesmo uma televisão nova, e essa está completamente estropiada.

2. Ana Valley - May 16, 2007 1:55 PM

O óptimo é inimigo do bom.

3. Elsa Cravino - May 16, 2007 1:58 PM

Quem foi o filho da puta?!!!!#”!$%&&&/($###

4. José Sócrates - May 16, 2007 2:01 PM

Como saber que se trata de um plasma, e não de um LCD? E é aqui que está a questão, não vale a pena andarmos à volta da questão.

5. Marques Mendes - May 16, 2007 2:20 PM

Echpero que echtiveche no cheguro.

6. Teresa Sabido C - May 16, 2007 2:36 PM

Jesus is crying

7. Carlos Pitacas A - May 16, 2007 2:38 PM

Mesmo que ê enviasse uma tv sem nada a embrulhari, nã esperava um desastre desses.

8. Juanito - May 16, 2007 2:43 PM

Please keep your comments relevant to the post. Inappropriate or promotional comments may be removed. Email addresses are required to confirm comments but will never be displayed.

9. Rui Marrocos - May 16, 2007 2:45 PM

Well, about 2 weeks ago, because of being preoccupied with something that was going on, i lost my erection during oral. I had a little rocky couple of days getting back to not thinking about it, but the problem now is because it's still in my head.

10. Juanito - May 16, 2007 3:16 PM

Eu disse: “Please keep your comments relevant to the post. Inappropriate or promotional comments may be removed.”

11. Tonicco – May 16, 2007 3:19 PM
José Sócrates, pela fotografia parece-me tratar-se de um HP-R5052 ou então de um HP-R4252, plasmas de 50" e de 42", respectivamente. Se reparares, os LCD’s Samsung do mesmo ano tinham um design muito diferente – se quiseres faz uma busca por LN-R328, e verás.

12. Isilda Armando - May 16, 2007 3:19 PM

Quééééé istoooooooooo??????????!!!!!...

13. Sweetjane - May 16, 2007 3:36 PM

Marrocos, private message me please

14. Liedson - May 16, 2007 3.40 PM

Foi primeira vez que fiquei embrulhando coisa feita de plasma... Não justifica tanta crítica assim, mas as pessoas têm direito de ficar dizendo o que quiserem. Tolerância, gente...

15. Elsa Cravino - May 16, 2007 4:40 PM

Queres tolerância? Está bem, que se te cortem as manitas pelo pulso, em vez de ser pelo cotovelo!!!!!!

16. Eminem - May 16, 2007 11:47 PM

bitch can't pack, y’all.

17. Marilyn Manson - May 16, 2007 12:08 AM

There is no Jesus

18. Sweetjane - May 16, 2007 12:15 AM

Marrocos, liga-me para o cel mas agora que estou sozinha

19. Juanito - May 16, 2007 12:54 AM

These reader comments are a clear indication that morons live on the web. OK, everyone: move away from your computers. STOP POSTING USELESS DRIVEL. BETTER YET, STOP POSTING.

YOU ARE WASTING YOUR LIVES. YOU ALL WILL BE DEAD SOON. WHAT WILL YOU LEAVE BEHIND? USELESS DRIVEL? GET LIVES. DEATH IS COMING.

20. Rui Marrocos - May 16, 2007 1:46 AM

I played with my balls while i was on the train. Eventually i got an erection and masturbated in my pants and it was so packed. Funny thing is that i am very handsome – I think – and no one suspected.

21. Sweetjane - May 16, 2007 3:35 AM

Eu gosto de homens xx

22. Gabriela S - May 16, 2007 3:37 AM

Eu gosto de mulheres

[thread unexpectedly terminated by JUANITO, on May 16, 2007 3.38 AM ; sorry for the inconvenience]

sábado, 12 de maio de 2007

Sapato preto, meia branca, ou a amazona do Campo Pequeno

Não se podia dizer que fosse baixo. A camisa era pingona, a imitar seda. O padrão não era dos mais ofensivos e o tom acinzentado, evitava que o transeunte desprevenido virasse a cara à ultima da hora. O peito estava à mostra quase até à curva superior da barriga, revelando uma pelagem negra e rala. Do pescoço pendia, com o peso de um crucifixo, uma corrente dourada. As calças eram de ganga, de uma daquelas marcas obscuras, que se caracterizam pela sua ausência. Os sapatos, de luva, com berloques, eram pretos e já tinham andado na guerra de catorze. As meias eram brancas e grossas. À cintura, preso ao cinto, ali estava, vertical, a peça incontornável. O telemóvel. Verdade seja dita que não estava de frente, mas já a caminho das costas. Mas nem isso ajudava.

A figura caminhava pela Avenida da República fora, confiante. Trauteava, em consonância com o seu andar gingão, o Staying Alive. Imaginava-se o Travolta dos velhos tempos. Levou os dedos ao cabelos escuros, puxando-os para trás, sem que tal produzisse qualquer melhoria. Teve o azar de tocar com a mãos nos óculos espelhados, o que os fez saltar e cair para o chão. Estava no Campo Pequeno.

- Fôôôdââssssss, disse ele com voz anasalada, correcta e firmemente, enquanto se baixava para apanhar os óculos.

Um ligeiro odor a alho assinalava a sua passagem, o que não admirava, visto já passar da hora do almoço. Além disso tinha um palito ao canto da boca.

Vendo-o de longe dir-se-ia que auto-confiança e auto-estima eram os seus nomes do meio, já que não se coibia de presentear todas as jovens mulheres que por ele passavam com piropos elegantes. Pena foi que, de um modo geral, todas se apresentassem tão indispostas e com caras tão enjoadas, isto quando se dignavam a olhar para ele.

De repente, ao longe, avista uma mulher de cuecas, soutien e meias de ligas, montada numa vassoura. Mesmo áquela distância era possível ouvir-lhe os gritos:

- Anda cavalinho, anda...pócótó, pócótó

O jovem ficou imediatamente fascinado. Imóvel e boquiaberto, como aliás, a maioria das pessoas que se encontravam na rua áquela hora, colocou-se, propositadamente, no caminho da jovem amazona que se aproximava, forçando-a a parar. O palito caiu. Atirou os óculos de sol para o chão (de qualquer modo já estavam rachados). Estendeu o braço e tocou-lhe no ombro. Nem uma palavra foi trocada. Deu uma reviravolta, alçou a perna e montou na vassoura. Com a mão direita tocou-lhe ao de leve na nádega, um pequeno incentivo para que continuasse. Ela não se fez rogada. Partiram rumo ao Saldanha. Enquanto ele produzia sons cavalares, ela gritava

- Hi ho Silver!

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Ainda Sobre a Questão da Não-Inscrição



S


ó uma nota sobre o post de Sweetjane, ou de José Gil, ou lá quem foi (confundo-os aos dois, e tenho de fazer-lhes perguntas-teste para os distinguir ao telefone, por exemplo, já que fazem gosto em não se identificar).

Não tenho dúvidas acerca da importância do papel de Portugal. Seja ele muitas ou poucas vezes "inscrito", ou médias.

O nosso drama - nós, as pessoas que todas juntas fazem Portugal - é o "entrementes". O que eu quero dizer com isto é que o que é dramático é não termos guião para o "intervalo", e que essa é a fonte de todas as "não-inscrições", e frustrações e sensações de impotência. O que estou a dizer é que Portugal serve para ser chamado nas alturas maiores. O problema das alturas maiores é que não estão sempre a acontecer, e há grandes espaços de tempo entre cada "altura maior". A isso eu chamei, atrás, de intervalo.

Nas alturas maiores, Portugal responde e irá responder, como soube já responder, e vai saber o que fazer e como o fazer, de uma forma de tal modo inata, que todos irá deixar caídos em espanto.

Mas não estamos numa altura maior. Estamos em intervalo. E de tal modo importante é o papel de Portugal, que Quem lho outorgou descurou de pensar em qualquer outro papel para quaisquer outros momentos que não os que Tinha em mente.

Por isso a nós cabe simplesmente saber preencher melhor esta "ponte". É apenas isso. Conseguido esse desiderato resolver-se-á boa parte da frustração, e da "não-inscrição", e de todas essas coisas que, na realidade, são de somenos importância.

Porque, para o que está para vir, estamos mais do que preparados.

Porque já fomos escolhidos. E lá no fundo sabemo-lo.

"Uneasy Lays The Head That Wears a Crown"


F


oi a forma de Henrique IV nos dizer "Olhem que ser Rei também é só nervos".

Acho que compreendo o que Henrique queria dizer. Deve haver muita chatice para tratar, e tudo isso... Mas, Henry - não sei se lês este blog -, posso assegurar-te de que há muita coisa que nos pode causar uma vida de nervos, mesmo (principalmente?) quando não se é Rei, que é o meu caso.

Claro que pode acontecer que eu esteja reading too deep into Henry's words. Se calhar ele está simplesmente a dormir com a Coroa na cabeça, e a queixar-se de que isso o incomoda (marcas na testa por causa do corte da circulação... parte superior da orelha que fica na almofada trilhada... etc.)

Henry, aconselho-te a tirar a coroa quando dormes. De qualquer maneira, ninguém está a ver.

domingo, 29 de abril de 2007

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Um conto de...a la FIDS

Continuação do post de juanito, de 21 de Abril de 2007


CAPITULO VII


Mas Marta logo voltou a si. Era preciso combater vigorosamente essa atracção que sentia por aquela figura duvidosa. Quem era, pois, esse Pedro? Quem sabe se não passaria tudo, afinal, de uma mentira e Bernardo, esse homem desenxabido e previsível, tivesse sido forçado a escrever a nota medonha que havia lido. Era incoerente. Só havia uma explicação. Bernardo fora raptado por uma corja infâme de malfeitores dos quais esse tal de Pedro só podia ser um (reles) lacaio.


Se assim fosse estava em perigo. Esse tal fotógrafo só podia querer apanhá-la em flagrante e depois fazer chantagem. Nesse momento resolveu vestir a lingerie. Olhou-se ao espelho e gostou do que viu, mas ainda estava para aparecer o homem que iria usufruir daquela maravilha. Abriu a porta do quarto, de rompante, dizendo em voz estridente (semelhante aos gritos de uma arara) :


- Cuucoo, mádafâca, I'm but naked, I'm but naked, ahhhhh, ahhhhh


Tentou imitar o melhor que podia um caso extremo de sindrome de La Tourette, enquanto se dirigia para a porta da rua com passos firmes, não sem levar na mão esquerda, de forma disfarçada, uma pequena bolsa que continha o essencial dos seus documentos e dinheiro.


- Fuck it, fuck it, fuck it...


Pedro olhava para ela perplexo. Estava boquiaberto. Tinha uma Leica na mão que caiu (felizmente) em cima de uma almofada.


Chegada à rua, quase nem reparou que os transeuntes a olhavam surpreendidos, disfarçando o riso ou escandalizados. Encontrou um almeida que varria a rua com gritante desmazelo. Ao vê-la, a beata que segurava ao canto da boca, caiu. Só percebeu o que se passava quando Marta montou na sua vassoura e começou a correr pela rua gritando:


- Anda, cavalinho, anda....pócótó, pócótó....


quinta-feira, 26 de abril de 2007

O país da não-inscrição

Um filósofo português escreveu que Portugal é o país da "não inscrição", ou seja, "nada se inscreve - na história ou na existência individual, na vida social ou no plano artístico".


O seu racíciocíno leva-o a considerar que o 25 de Abril "recusou" a inscrição, "no real", dos 48 anos de ditadura que o precederam. Não houve julgamentos de "Pides" nem de quaisquer outros responsáveis desse (antigo) regime.

Diz José Gil, e passo a citar:

"um imenso perdão recobriu com um véu a realidade repressiva, castradora, humilhante de onde provínhamos. Como se a exaltação afirmativa da Revolução pudesse varrer, de uma penada, esse passado negro. Assim se obliterou das consciências e da vida, a guerra colonial, as vexações, os crimes, a cultura do medo e da pequenez medíocre que o salazarismo engendrou. Mas não se constrói um branco (psíquico ou histórico), não se elimina o real e as forças que o produzem, sem que reapareçam aqui e ali, os mesmo ou outros estigmas que testemunham o que se quis apagar e que insiste em permanecer. Quando o luto não vem inscrever no real a perda de um laço afectivo (de uma força), o morto e a morte virão assombrar os vivos sem descanso".

José Gil, Portugal Hoje - O Medo de Existir

sábado, 21 de abril de 2007

Um Conto De...

[ Esta é a proposta de F.I.D.S. para o capítulo VI do conto colaborativo que está a ser construído em Um Conto De... ]



CAPÍTULO VI


A situação estava a começar a tornar-se incómoda para Marta. Não estava a perceber rigorosamente nada acerca da história do envelope fechado ou do “dossier confidencial” que ainda não tinha visto; não entendia o papel deste atraente homem Pedro (que parecia ser mais do que um simples mensageiro); estava, no mínimo, surpresa com a revelação de que Bernardo Teixeira não tinha voado para o Bangladesh – mas porquê mentir?!; estava cheia de fome – já era bem para lá da hora a que saía para almoçar; e tinha a reunião com os amigos de Setúbal, para lhes tratar do projecto, dali a menos de uma hora.

- Gosta de bacalhau com natas? – insistiu, uma segunda vez, o atraente Pedro.
- Ouça. – Marta tentou recuperar o controlo da situação, e pôr de lado a desconcentração que, era óbvio, o jovem provocava nela. – Não vou poder almoçar consigo. Às 14 horas tenho aqui pessoas à minha espera, vêm de Setúbal de propósito, e é o meu trabalho. Esperei até mais tarde por si, a pedido do Dr. Bernardo, para lhe entregar o envelope e receber o tal “dossier confidencial”. Não compreendo o que me está a dizer: que o Dr. Bernardo foi para Barcelona, que o conteúdo do dossier confidencial “é do meu interesse”... Gostava de perceber, mas tenho mesmo de sair porque senão não vou cá estar a tempo da minha reunião. – Marta surpreendeu-se a si própria por ter conseguido, aparentemente, quebrar o feitiço que aquele jovem de olhos verdes lhe tinha lançado desde que lhe abrira a porta.
- Esteja calma. – o jovem Pedro não alterou um bocadinho sequer o seu tom de voz calmo e quase paternal. – O Dr. Bernardo está a par de tudo – repetiu. – E as instruções dele são para que eu trate agora deste assunto consigo. E de facto, tem razão, não vai conseguir estar aqui às 14 horas. Porque agora temos de sair, eu tenho de falar consigo... Tem o envelope?

Marta, intrigadíssima, estendeu ao jovem o envelope amarelo, fechado, que havia retirado da gaveta da secretária de Bernardo Teixeira, minutos antes.

- Tem o dossier? – perguntou Marta, imaginando que, caso recebesse naquele instante o famoso “dossier confidencial”, toda aquela estranha intriga poderia ser dada como encerrada; teria feito o que o chefe lhe pedira, e ponto final.
- Dra. Marta, eu sei que esta situação pode parecer estranha, mas estou aqui neste momento porque o Bernardo assim o deseja. Por favor, não se preocupe, e venha comigo. Temos de sair. Cancele os seus compromissos do início da tarde. Tem de vir comigo, por instruções do Bernardo. – insistiu.
- Mas... quem é o senhor? Conhece o Dr. Bernardo Teixeira? É que eu estava à espera de tratar de uma simples entrega, mas não estou a perceber bem o que...
- Eu vou explicar-lhe, mas não aqui. Já lhe pedi, venha comigo, temos de sair. E aproveitamos ainda não ter comido, comemos qualquer coisa. Por favor, venha, e não se preocupe.

Marta começava a não ver nada à sua frente, entre a incompreensão de toda aquela situação, a “mentira” (?) de Bernardo Teixeira, os olhos verdes daquele rapaz atlético e a fome que lhe começava a apertar o estômago. Decidiu aceitar que Pedro era de facto um mensageiro de Bernardo Teixeira, e que ir com ele, obedecendo, era trabalho. Interrompeu Verónica, que continuava ao telefone, e em quatro frases secas explicou-lhe que tinha de sair com uma pessoa enviada por Bernardo Teixeira, e que não iria poder atender os seus amigos de Setúbal às 14 horas. Verónica teria de o fazer, pelo que Marta lhe entregou o dossier do processo em questão, por cima da secretária. Verónica não percebeu bem, e ficou visivelmente irritada quando realizou qual o tempo que teria para acabar a chamada telefónica, almoçar, e estar de volta a tempo de receber as pessoas.

- Desculpa, mas é que eu também não sei do que se trata! – desculpou-se Marta, à medida que vestia o casaco e punha a carteira ao ombro, para sair. O jovem Pedro já se encontrava à espera, à porta do elevador.

Pedro e Marta saíram do edifício de escritórios e percorreram a pé dois quarteirões até ao carro de Pedro.

- Vamos almoçar a um hotel. – informou o jovem - É lá que está o dossier do Bernardo. – disse para Marta ao mesmo tempo que destrancava o Porsche Cayman azul metalizado, fazendo sinal a Marta para que entrasse. O carro impressionou-a, mas Marta não deixou fugir qualquer sinal de admiração ou surpresa.

Aquela confiança no modo como Pedro se referia a Bernardo Teixeira intrigava bastante Marta, que achava aquele tratamento – “o Bernardo isto... o Bernardo aquilo” – de uma proximidade inusitada. Marta conhecia Bernardo desde a faculdade, tinham sido amigos desde essa altura, trabalhava com ele havia 8 anos e jamais tinha ouvido Bernardo sequer mencionar um qualquer Pedro Madureira.

- Conhece então pessoalmente o Dr. Bernardo Teixeira... – Marta procurou parecer casual, mas na realidade começara a sentir uma certa urgência em entender toda aquela situação, todo aquele segredo, toda aquela circunstância bizarra...
- Oh sim, claro... – Pedro desviou o olhar da estrada e sorriu a Marta, um sorriso que a fez recordar-se do que era o sentimento de atracção física entre adolescentes colegas de escola... Havia muito tempo que esse súbito acordar simultâneo de todos os pelos dos braços havia caído no esquecimento de Marta... Mas naquele momento a sensação era tão fresca como tinha sido na altura em que tinha 15 anos. – Já nos conhecemos há bastante tempo, há bastante tempo... já fiz vários trabalhos para o Bernardo.

“Trabalhos?” interrogou-se Marta. Naquele momento temeu que Bernardo Teixeira estivesse envolvido em alguma coisa de menos recomendável. Uma vigarice?, questionava-se... Uma vigarice em que ele, Bernardo, estivesse agora a envolvê-la? Marta não queria acreditar na hipótese... Conhecera Bernardo aos 18 ou 19 anos, tinham sido colegas de faculdade, tinham ficado amigos, trabalhava com ele havia 8 anos e tinha dele, até hoje, uma imagem de total e absoluta honestidade. A integridade de Bernardo era uma certeza para Marta... Mas toda aquela história, aquele mistério, aquele envelope, aquele rapaz de olhos verdes que a perturbava, aquele Porsche, aquele seu quase “rapto” do emprego... eram demais. E o dossier? E o “dossier confidencial”? O que era? E o que tinha Marta a ver com ele?!

Até chegarem ao destino, Marta optou pelo silêncio. Decidiu interiormente que não corria perigo. E era adulta e controlada, pelo que ao sinal de qualquer situação menos correcta ou mais duvidosa, saberia como se desenvencilhar. E se necessário fosse, saberia também como montar uma cena desagradável em público. De qualquer forma, aquele jovem que estava com ela suscitava-lhe tudo menos hostilidade. Era atraente, mexia com ela, parecia bastante meigo e tinha um sorriso de derreter qualquer mulher. Porque haveria de pensar logo no pior à partida? Quem sabe se conhecer aquele rapaz não seria uma daquelas coisas boas de que há tanto tempo estava à espera na sua vida?

Chegados a um hotel com muito bom aspecto situado fora do centro de Lisboa, Pedro entregou sem pensar as chaves do Cayman ao empregado que aguardava em frente à entrada principal, e que o saudou com cortesia. Com a mão na base das costas de Marta, Pedro conduziu-a com gentileza ao restaurante do hotel, bem ao fundo do grande e bem iluminado hall de entrada. Já sentados, foram atendidos de forma absolutamente irrepreensível e tratados como se fossem clientes bem conhecidos. Marta sentia-se progressivamente mais à-vontade, e começara a desejar que aquele fosse o modelo da sua tarde típica... o envelope, o ter sido arrancada do trabalho sem ainda perceber bem porquê, o malfadado “dossier confidencial”, o mistério da mentira de Bernardo ao ter viajado para Barcelona, em vez de ter ido à conferência... bem vistas as coisas, tudo haveria de ser entendido, sem necessidade de enervações. O rapaz que estava à sua frente poderia bem ser o seu próximo namorado. Porque não?

O fabuloso vinho tinto que Pedro tinha pedido, sem necessidade de ver a carta, também ajudou bastante a toda aquela descontracção progressiva de Marta. Ambos beberam dois copos sem qualquer dificuldade, antes mesmo de o prato principal ter chegado à mesa. Marta não estava habituada a beber.

A refeição decorreu sem necessidade de grandes conversas entre Marta e Pedro, que preenchiam o silêncio com sorrisos de um para o outro, entrecortados por breves risinhos de Marta, que entre o efeito mágico do vinho, o sabor agradável do prato de caça que Pedro havia pedido permissão para escolher para os dois, e a visão daquele rapaz de sonho à sua frente, parecia como que hipnotizada. Perto do final do prato, Pedro retirou do casaco o envelope amarelo fechado que Marta lhe havia entregue. Quando fez menção de o abrir, a atenção de Marta redobrou-se, e ela ficou mais séria, por baixo das suaves rosetas que o vinho tinto lhe havia trazido à face.

Sem grande encenação ou mistério, Pedro abriu o envelope para, de dentro dele, retirar dois envelopes brancos separados, um maior que o outro.

- Este é para si. – sorriu, enquanto estendeu o envelope mais pequeno a Marta.

Marta pousou o copo de vinho com uma certa brusquidão na toalha branca da mesa e tomou o envelope da mão de Pedro com um solavanco. Deixou-se rir. Pedro sorriu-lhe em retribuição.

O envelope branco mais pequeno tinha “Marta”, manuscrito a caneta de tinta permanente numa caligrafia harmoniosa. Marta reconheceu a letra de Bernardo Teixeira sem dificuldade. Abriu o envelope e retirou uma pequena folha de papel, também ela manuscrita:


Querida Marta,

Quero que a partir de agora as coisas sejam diferentes.
Este homem é um amigo, não tenhas a menor preocupação.
Encontrar-nos-emos em breve.

B.


Marta deixou sair uma pequenina gargalhada de nervos, que não conseguiu conter. Pedro, contudo, não reparou, ocupado que estava a contar as notas de 50 Euros que não chegou a retirar inteiramente do envelope que lhe foi destinado. Marta estava estarrecida com aquela nota de Bernardo. “Querida Marta”?! E a dirigir-se a ela por “tu”?! Não se haviam tratado por tu desde a faculdade, Bernardo insistira para que assim fosse a partir do momento em que haviam começado a trabalhar juntos, e assim havia sido durante 8 anos!... E “querida Marta”?! Nem no tempo da faculdade se havia Bernardo dirigido a Marta dessa forma!... “Encontrar-nos-emos em breve”? Porque raio?!...

- Ouça – disse Marta a Pedro, que entretanto já tinha contado o dinheiro -, é nesta altura que o Pedro me vai explicar esta história toda. Tenho aqui uma nota do Dr. Bernardo a dizer-me para confiar em si, e a dizer-me que o encontrarei em breve. Importa-se de me explicar o que tudo isto quer dizer?!
- Ah sim, o Bernardo quer que a Mar... a Dra. Marta vá ter com ele a Barcelona. – Pedro estendeu a Marta um bilhete de avião, com data do dia seguinte, que retirou também do interior do envelope amarelo.
- A Barcelona?! – estranhou Marta – Mas fazer o quê? Porque é que o... Bernardo não me disse nada? Porque é que não falou comigo? Porque é que eu tenho de ir a Barcelona?

Ambos já tinham acabado a refeição e Pedro já começara a levantar-se, sempre sorridente para Marta. Deixara em cima da mesa duas notas de 50 Euros retiradas das que estavam dentro do seu envelope, e fazia menção no sentido de que Marta o acompanhasse para saírem do restaurante.

- O Bernardo quer estar consigo. Mas tem um outro pedido para lhe fazer antes, e é aí que eu entro. Peço desculpa, mas é melhor irmos subindo, porque o tempo não dá para tudo, e começa a ficar um bocadinho apertado.
- Subir para onde? Tempo apertado para quê? O que precisamos de fazer? – Marta estava de novo mais impaciente e nervosa.
- Subir ao estúdio – informou Pedro, sorrindo mais uma vez com todo o brilho dos seus olhos verdes para Marta, que se sentiu de novo vulnerável. – Tenho lá a encomenda que o Bernardo me pediu que lhe entregasse.
- Ah, o tal dossier? – Marta estava já um pouco exausta de tanto tentar compreender toda aquela situação. Pedro pareceu não ter ligado à sua pergunta.
- Achei melhor assim, levar-lhe ao emprego poderia não ser muito... próprio. O Bernardo nem sempre pensa nessas coisas. O estúdio é já ali – Pedro apontou, no corredor, para a porta de uma suite, que depois abriu ao girar de uma chave branca. Os dois entraram.

O estúdio tinha uma sala principal que se revelou à medida que Pedro ia acendendo as fortes luzes brancas espalhadas por todo o lado. No espaço principal, um set fotográfico era cercado por vários holofotes de luz indirecta, de pé alto. Diverso equipamento de fotografia estava espalhado pela sala. Marta olhava em redor, com total admiração e falta de compreensão.

- Mas o Pedro é...
- Fotógrafo. – atalhou o jovem – Quero dizer, também sou advogado, mas antes de ser advogado, já era fotógrafo. – Sorriu mais uma vez para Marta, enquanto deslocava uma caixa do chão, com um ar aparentemente pesado. - A encomenda do Bernardo para si está nessa salinha. – e apontou para uma porta branca que se desenhava na parede à esquerda da porta de entrada do estúdio.

Nisto, o telemóvel de Pedro soou com uma música sonora e alegre, ao que o jovem fez menção de descobrir em que bolso do casaco havia metido o aparelho. Pediu desculpas a Marta, e atendeu a chamada num inglês não muito perfeito.

- Dra. Marta – disse Pedro, tapando o telefone com a mão por um momento – pode ir entrando, e diga-me quando estiver pronta, vá ficando à vontade... – Pedro apontou para a porta da salinha e regressou rapidamente à chamada que tinha interrompido no telefone.

Marta não quis perder mais tempo, nem interrogar mais ninguém, e dirigiu-se à porta da salinha onde estaria o famoso “dossier confidencial”, “encomenda”, ou lá o que fosse. Era uma salinha pequena, de decoração pobre, com um sofá, um espelho de parede sobre uma cómoda com alguns produtos de maquilhagem, cabides na parede, uma pequena mesa e um minibar que emitia um leve zumbido, ligado à corrente. Sobre a mesa, um embrulho com cerca de 60 cm de altura e menos de 20 cm de espessura despertou de imediato a atenção de Marta. Era o famoso “dossier confidencial” sobre o qual Bernardo Teixeira havia falado a Marta, a partir do aeroporto, alertando-a para o facto de o dever receber das mãos de um tal “Pedro”, coisa que Bernardo tinha feito numa voz comprometida e muito mais hesitante do que lhe era característico.

Marta ainda hesitou sobre esperar ou não que Pedro terminasse a sua chamada para confirmar que o embrulho era, por fim, o “dossier” que lhe era destinado, antes de o abrir. Mas logo se decidiu a abri-lo, constatando através da porta que Pedro continuava em animada conversa em inglês duvidoso com fosse quem fosse que lhe havia telefonado. Cansada do mistério, abriu o embrulho sem cerimónias – qual dossier, qual carapuça – para revelar duas caixas impecáveis de um cartão cinzento com uma belíssima apresentação. Colocou as caixas rectangulares lado a lado, sobre a mesinha. Ambas eram parcas em decoração, apresentando apenas duas palavras sobre a tampa, escritas a vermelho, numa caligrafia sedutora:

Unspeakable Secret

Marta abriu as duas tampas em simultâneo, para que se revelassem, no interior das caixas, dois bodies de lingerie da mais fina apresentação, um branco e um preto. Cuidadosamente preso por um alfinete ao body de cor preta, estava (mais) uma pequena folha de papel manuscrita por Bernardo Teixeira:

Faz isto por mim.
Descansa, quanto ao Pedro. Ele é um profissional em quem confio em absoluto.

B.


- Este homem é louco! – balbuciou Marta, em voz alta. – Não queria acreditar que estas notas, estes recadinhos, eram do mesmo homem que de há 8 anos àquela parte havia desempenhado o papel do seu formal, distante, rigoroso, respeitador e 13 anos mais velho... chefe! Não, não podia ser! Era uma brincadeira...

Sem saber se rir era ou não adequado àquela situação, e com um acesso de nervos visível, Marta vagueou desajeitadamente em direcção ao minibar, de onde retirou com decisão uma garrafinha de Martini Rosso, que abriu e levou aos lábios com rapidez. Bebeu um golo grande, talvez um terço da pequena garrafa. Engoliu o vermute com uma careta.

Marta passou os minutos que se seguiram sentada no sofá, com os bodies de lingerie à sua frente, nas caixas abertas. Em menos de dois minutos acabou a garrafinha de Martini, o que fez com que o efeito do fabuloso vinho tinto que tinha bebido ao almoço parecesse como que ressuscitar.

Não sabia o que pensar de Bernardo Teixeira naquele momento. Aquele homem não era quem aparentava ser, isso estava provado. Jamais Bernardo havia esboçado qualquer tentativa de aproximação física a Marta! Jamais tinha existido a mais leve insinuação! Será que Marta poderia ter sido tão distraída ao ponto de não perceber? Não!, Bernardo nunca tinha dado a entender interesse físico por Marta!

O que sentia Marta naquele momento?, interrogava-se... Nojo de Bernardo? Não sabia bem... era demais para um dia só... toda aquela história, desde o telefonema de Bernardo para o escritório, tinha sido demais!... E a lata dele!, ainda tinha esboçado uma leve crítica pelo facto de Marta não ter atendido o telemóvel... Pelo facto de ela não ter estado disponível em hora de trabalho! A lata!... Ao mesmo tempo que falava com ela sabia que lhe ia mandar lingerie e pedir-lhe que posasse para um fotógrafo! Mas quem é este homem, afinal?!, perguntava-se Marta, completamente incrédula... E manda-me um bilhete de avião para ir ter com ele a Barcelona, quando tem toda a gente enganada no escritório!!!... Não queria acreditar que isto acontecesse com ela, com o Bernardo!, que tão bem conhecia... ou julgava conhecer! Riu-se de nervos ao pensar que tinha equacionado a hipótese de Bernardo a querer envolver num negócio escuro qualquer, numa vigarice, com esta história do Pedro, e do “dossier confidencial”... Bernardo não era vigarista, Bernardo estava EXCITADO!... E logo haveria de ser com ela!!

Mas Marta tinha um problema. Aquela sensação, que tinha tido antes, dentro do carro, de que saberia lidar com decisão e de forma irrepreensível no caso de uma qualquer circunstância mais duvidosa se vir a revelar com o desenrolar da história, estava mais... diluída. A resolução de Marta, aquilo que até há pouco tinha a certeza de conhecer acerca de si própria... Estava tudo ligeiramente... enevoado... O seu critério de julgamento estava turvado pela atracção inegável que sentia por aquele rapaz, Pedro, e que lhe parecia ser, de algum modo, retribuída da parte dele. O seu discernimento estava perturbado pela excitação que aquela tarde tinha trazido à sua rotina monótona, por sensações das quais há muito não se lembrava, e ainda por uma boa quantidade de álcool... Aquele vinho do almoço era qualquer coisa!... Aquele rapaz era qualquer coisa... Aqueles olhos verdes eram qualquer coisa...

Levantou da caixa o body branco, que se desdobrou automaticamente. Deixou-se rir, por imaginar por um momento como ficaria vestida só com aquilo. Examinou com ar de troça as copas do peito e a zona do baixo ventre. Soltou outra gargalhada curta, ao constatar que tudo era quase totalmente transparente.

- Não querias mais nada! – exclamou em voz baixa, como se Bernardo estivesse na sala.

Pela primeira vez, Marta considerou que a actuação de Bernardo era ridícula e imprópria de um homem. Jamais voltaria a olhar para ele da mesma maneira. Por um momento, um assomo de seriedade invadiu-a, à medida que pensou pela primeira vez nas consequências que esta história teria na sua vida profissional... E com toda a certeza haveria enormes consequências... Mas não se deteve mais do que breves segundos a pensar nesse assunto. Pedro estava na sala ao lado – Marta continuava a ouvi-lo ao telefone -, e aquele jovem de olhos verdes e sorriso encantador atraía-a de uma forma que era difícil negar... E Marta já nem o queria negar... Acresce que os acontecimentos daquela tarde tinham-na levado a uma circunstância em que tinha à frente duas peças de roupa íntima do mais provocante que tinha visto na vida, e que era suposto vestir para, de seguida, ser fotografada por – precisamente! - aquele rapaz por quem Marta se sentia a derreter aos poucos... Bernardo Teixeira era uma questão a resolver, mas... Aquele Pedro poderia ser um assunto à parte...

- Marta, tu tem mas é juízo!... – advertiu a si própria, mas num tom pouco convincente.

Na sala principal do estúdio, Pedro parecia estar a terminar finalmente a chamada telefónica. Marta levantou-se e fechou a porta da salinha. Sentiu-se, naquele momento, subitamente envergonhada.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Mas será que só nos restam as fugas para a frente?

Provavelmente não. Restam-nos algum mimos que podemos ir dando a nós próprias e que nos vão ajudando a sobreviver. Parece-me que é importante agir por impulso, nem que seja uma vez na vida. A sabedoria chinesa diz que mais vale ser tigre por um dia que cordeiro a vida toda. Sejamos tigres por um momento. Não sei em relação a quê, nem quando, nem onde. Mas não desistamos de ter o nosso momento de glória.

Não esqueçamos o prazer de uma boa jantarada de marisco numa qualquer "marisqueira dos pobres", de um bom cozido à portuguesa ou de um belo bacalhau assado com batatas a murro e com grelos. Até me sinto a salivar com o aroma que rescende...na minha imaginação.

E andar a pé. Já repararam como é fácil e barato? É um ginásio ao alcance de qualquer bolsa. Descer e subir ruas e escadas são boas alternativas. E será tanto mais eficaz quanto mais sejamos capazes de encontrar prazer em fazê-lo. Ultimamente tenho sido capaz de andar treze quilómetros em duas horas, acompanhada de uma diversificada playlist, aos fins-de-semana.

Isto faz-me pensar na importância de encontrarmos algo que verdadeiramente gostemos de fazer. Algo em que sejamos boas, algo que nos interesse e que nos reconforte pelo facto de a fazermos bem. Pode ser conversar, pode ser ler, pode ser escrever, pode ser tocar um instrumento musical. Podemos ser tigres por um dia se de repente resolvermos experimentar algo de que já tínhamos desistido ou algo que nunca tínhamos tido a coragem de experimentar.

sexta-feira, 30 de março de 2007

quinta-feira, 29 de março de 2007

Quero ser pintora!

A minha filha de 4 anos já me diz o que quer ser quando for grande.


- Mamã, sabes o que quero ser quando for grande?

Respondo que não, perplexa pela determinação. Quando for grande, implica uma grande projecção temporal...ou teria sido uma expressão ouvida no infantário?

- Quero ser pintora!

Mais tarde percebi que na escolinha andavam a falar das profissões, e que o seu desejo já equacionava, ainda que incipiente, uma noção de futuro.

Mas depois pensei no quasi paradoxo entre profissão e vocação, para tantos de nós. Hoje creio que teria sido mais feliz se tivesse explorado mais as minhas vocações e os meus desejos. Podia ser hoje uma pintora (se tivesse dado asas a uma “vocação” que se manifestou por volta dos 14 anos) ou poderia hoje ser uma razoável pianista (não profissional, creio), se nessa mesma idade, tivesse dado ouvidos ao chamamento e tivesse sido mais convincente quando procurei persuadir os meus pais dessas mesmas ambições, chamamentos, vocações. Mas, na minha visão um pouco quadrada do mundo, herança de uma certa cultura sócio-educativa, não insisti muito. Foi pena, porque quando resolvi recorrer à orientação vocacional na escola secundária, os resultados (e fiz 3 testes em 3 momentos diferentes) foram sempre inconclusivos. Acabei por escolher um curso que não exerço e por exercer uma profissão para a qual não estudei.

E o mais incrível é que não só nunca imaginei onde estaria dali a 15 anos, como sou hoje incapaz de imaginar onde estarei daqui a outros 15. Talvez seja uma defesa contra frustrações específicas. Tenho por vezes a impressão de que a minha vida e as minhas opções, nomeadamente as profissionais, são tomadas em função de circunstâncias e não de factores objectivos e decisões conscientes. Não que me tenha dado mal. Sou relativamente bem sucedida. A sensação de frustração é mais “generalista”, porque nem se quer me posso queixar de má sorte.

Em compensação, aos 35 anos, comecei a aprender a tocar piano.

quarta-feira, 28 de março de 2007

O Meu Problema Com Deco


N


ão sigo religiosamente a vida da Selecção Nacional, mas tento estar a par do mínimo indispensável: saber quem decidiu abandonar a Selecção por estar em fim de carreira, em quanto vão e de onde vêm as ofertas de clubes para os maiores talentos da Selecção, quem são as novidades que pela primeira vez se estreiam em cada jogo envergando a camisola das quinas, quem está magoado ou em dúvida para dar contributo no próximo jogo, etc. .

Agora, quando os jogadores não me deixam estar a par do tal mínimo indispensável, aí eu vou aos arames.

Quando digo que não me deixam estar a par, estou a referir-me especificamente aos jogadores que, pura e simplesmente, desconversam. E o maior jogador de todos os tempos a desconversar é, sem dúvida, Deco.

Eu explico melhor. Véspera do jogo com a Sérvia: Cristiano Ronaldo é citado nos jornais como tendo vindo descansar os adeptos da Selecção, esclarecendo que “foi só um susto, e estou bem, e vou jogar”. No mesmo dia, por que motivo surge Deco na imprensa? - “Deco denuncia 926 zonas perigosas em Portugal”.

“Zonas perigosas”? Talvez se refira ao meio-campo da Selecção, pensei eu… Como não foi convocado, está a analisar tacticamente a Selecção... Mas achei estranho. Será que se conseguem identificar 926 zonas no meio-campo? Pareceu-me estúpido. Mas lendo com mais atenção, percebi que Deco se referia a “zonas de perigo nas estradas”, fruto de uma “pesquisa” que terá levado a cabo “entre Maio e Fevereiro”, após a qual terá concluído que “os problemas em 650 das estradas continuam por resolver”.

Mas o que é que este jogador anda a fazer?! A jogar futebol, ou a analisar as estradas?!... E como é que o Barcelona lhe dá o tempo suficiente para andar a analisar as estradas em Portugal, país onde nem sequer Deco reside?!

Mas Deco não é novo nestas situações… Pode estar-se à beira de grandes jogos, não importa.... : Deco surge na comunicação social portuguesa a propósito de coisas que não têm nada a ver com o jogo, nem com o clube, nem com futebol... Mas isto compreende-se?!

Pouco antes do jogo entre Benfica e Barcelona da passada edição da Liga dos Campeões, enquanto jogadores de um e de outro clube vinham a terreiro antecipar o embate, Deco surgia nos jornais identificando… "(...) o melhor seguro disponível em Portugal, para o ramo Multi-Riscos/Habitação", distinguindo as soluções "para quem vive em apartamento" de outras "mais adequadas a quem vive em outro tipo de habitação".

A minha pergunta é: onde é que anda a cabeça deste jogador?!

Diz-se que Scolari já não conta com Deco na Selecção, por considerar que o jogador poderia perfeitamente ter adiado a operação à mão a que foi sujeito, de modo a estar disponível para o passado jogo com a Bélgica e para o de hoje, frente à Sérvia. Mas na minha opinião, os motivos de Scolari são outros: não é, simplesmente, razoável obrigar o Seleccionador a trabalhar com um jogador que está mas é mais preocupado em fazer "estudos" pelos quais vem depois "concluir" que “os médicos receitam antibióticos a mais, e que muitas farmácias os vendem sem prescrição” (sic).

Quanto a mim, o que aconteceu é que Scolari se fartou.

E com toda a razão.

terça-feira, 27 de março de 2007

Famous last words

Hum, hum, dizia ele, enquanto fingia prestar atenção ao que ela dizia. Estava perdido nos seus pensamentos e de quando em vez assentia com a cabeça. A gaja era boa, mas só falava de coisas profundamente desinteressantes. Qualquer coisa sobre o seu local de trabalho, a forma como se sentia desvalorizada, o relógio biológico, a casa de férias da família, na Granja. Até do trânsito falava. Falava pelos cotovelos. Parecia genuinamente acreditar que a sua função era falar enquanto a dele era ouvir. Talvez quisesse impressionar no primeiro encontro, talvez não lidasse bem com o silêncio.

Para ajudar, as conversas no restaurante, nas mesas à volta da deles eram infinitamente mais estimulantes, quanto mais não fosse pela exigência implícita de serem decifradas, o que impunha tentar perceber meias palavras, tirar umas pelas outras.

Isto não vai a lado nenhum, pensava ele, enquanto dizia hum, hum, até que foi subitamente interpelado por ela, que dizia em tom de simultânea mágoa e desafio:

- Não me estás a ouvir...

Jurou-lhe que sim, com ar de inocente pecador. Jurou-lhe que ouvira tudo.

- Ah sim? Então como é que se chama o meu anel?

Foda-se, agora é que me apanhaste, não faço puto ideia, pensou ele, sorrindo. Nem se havia dado conta que ela tinha um anel. Em compensação já decidira que o soutien era copa 40, embora ainda estivesse indeciso quanto ao melhor dos números, 6 ou 9, que ela exibia na justa camisola desportiva, um de cada lado da profunda clivagem. Portanto, se nem tinha visto o anel, quanto mais ter percebido que este tinha um nome. Respondeu-lhe que o anel se chamava “jack”. Ela ficou tocada. Respondeu-lhe com uma certa categoria:

- Não, não é “jack”! (abanou a cabeça de forma deselegante e ofendida, com ar de escarninho, enquanto pronunciava “jack” lentamente). Chama-se “japanese garden”. Com “jack” só existe o “jota” em comum. Não estavas com atenção à conversa.

Apesar da conlcusão óbvia com que a outra rematara a frase, jurou-lhe que estava com atenção. Tanta que até ouvira, através dela, a conversa da mesa que ficava atrás, em que alguém falava de um tal “jack”. Ela seria um tanto ou quanto estúpida mas tudo tem os seus limites.

- Devia ser o “jack o estripador”,

dizia ela enquanto se levantava, empunhando a faca, ameaçadora. E continuou,

- Somos casados, por acaso, para que ignores o que eu digo?

O guardanapo caiu no chão, quando se levantou. Ele olhava para ela, mesmerizado. Enquanto ela se afastava em direcção à saída, o seu telemóvel tocou. Era mesmo estúpida. Em todo o caso, aquilo não ia mesmo a lado nenhum.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Coisas A Fazer Se Está Aborrecido

N


a sociedade actual, onde à hiper-conectividade técnica se contrapõe a dramática sub-conectividade social, não são poucas as vezes em que o indivíduo dá por si vítima do tédio e da chateação difusa. Daí à agressão dirigida a pessoas inocentes - muitas vezes aquelas de quem mais gostamos - vai um passo muito pequeno, que urge evitar.

F.I.D.S., como sempre, está de estetoscópio encostado ao peito da sociedade civil, identificando sibilos, controlando a sístole cívica e cronometrando a diástole social. Às vezes até fazemos gráficos e apresentações PowerPoint, que, não raras ocasiões, enviamos a Steve Jobs (até agora, Jobs nunca nos respondeu, provavelmente por não falar português).

Mas nada disto vem agora ao caso. Seguem-se sugestões F.I.D.S. para contrariar o tédio ou a revolta contida, seja pela vida em geral, seja por aquela cabra que o anda a chatear no emprego, ou por aquela puta envernizada que, sem uma razão perfeitamente identificável (e quem diz que é preciso?), simplesmente o irrita...

Sugestão 1) Faça o estilo alce:

Sugestão 2) Mister elefante:


Sugestão 3) Choque a sua sogra com a avestruz:

Sugestão 4) Aqui vem o canguru:

Sugestão 5) Cansado? Faça a foca:

Sugestão 6) Sem energia? Mister frog

Sugestão 7) O esquilo é um clássico:

Sugestão 8) Arranje vida própria

terça-feira, 20 de março de 2007

Tired Little Girl Throws Epic Tantrum

Esta manhã a minha filha, de 4 anos, fez uma birra monumental. Não seria nada do outro mundo se eu não estivesse muito pressionada pela realização de uma reunião agendada pela chefe, com início às 9h da manhã.

A birra nasceu não sei bem de que microscópico episódio, convertendo choro em gritos, acompanhada de uma determinada e despropositada retenção da urina, de agitação e coices, sempre que procurei chegar à razão, abraçando-a ou aquietando-a. Aliás, o mais fácil foi pensar que esta birra foi propositada, por saber que eu tinha especial interesse em despachar-me, esta manhã.

Também a minha irritação, stress e frustração foram crescendo, em função do crescente descontrolo desta birra, e com a implacável passagem dos minutos. E foram cerca de 40, os minutos que se passaram nisto. Quanto mais tudo crescia menos capacidade tive para tentar perceber o porquê. Mas eu bem sabia que o motivo não poderia ser circunstancial e sim muito objectivo, inconsciente, mas objectivo.

Vesti-a e lavei-a, mal e porcamente, lidando com a sua obstinada e sonora falta de colaboração.

O chichi finalmente libertado, a ida para o carro e o pequeno almoço, vieram introduzir uma pequena mudança que, felizmente, diminuiu um pouco o volume sonoro e a convicção dos protestos. Já no carro, enquanto tomava o seu "leitinho do ursinho azul" e já com a fome matinal finalmente aplacada (a qual também, julgo eu, tinha contribuído para o crescendo da birra), mas ainda sem querer dar o braço a torcer, manifestou-me, de forma ainda entrecortada por soluços, que eu não a tinha deixado dizer uma coisa, procurando, assim, justificar a birra. Dizendo-me, desta forma, que afinal havia um motivo para aquela reacção matinal, e sobre o qual eu nada sabia.

Também eu já mais calma e recomposta, já disponível para reflectir, disse-lhe que se ela não dissera o que queria tinha sido porque estava a chorar muito e demasiado alto, sendo, assim, difícil dizer-me o que quer que fosse. Disse-lhe calmamente que compreendia que ela estivesse triste e zangada comigo e com o pai, porque na noite anterior nós tinhamos chegado a casa tão tarde que ela já não nos vira, adormecendo na companhia da avó. Ou seja não aplacara a ansiedade de nos ver chegar, antes de adormecer.

De facto, ontem foi um dia difícil de trabalho, pouco habitual e muito cansativo. Ela sabia que tal ia acontecer, não foi inesperado, tínhamos falado calma e antecipadamente com ela, mas o entendimento subjectivo foi o do abandono, e o impacto afectivo foi o medo de nos perder. Esta manhã tinha sono e estava zangada connosco. Perguntei-lhe, em todo o caso, que coisa era essa que me queria dizer.

Respondeu-me, agora já calma, após alguma hesitação e reflexão:

- Eu queria dizer que tinha uma coisa para te dizer e tu não deixaste, só que agora já não me lembro da coisa que queria dizer.

E esta hein?

segunda-feira, 19 de março de 2007

O mundo já existia antes de eu nascer?

Uma das mais maravilhosas pessoas que tenho no mundo é a minha filha. Vê-la crescer é fenomenal e sinto-me privilegiada por poder testemunhá-lo.


Com 4 anos, a noção que ela tem do tempo é ainda limitada. Sempre que falamos de acontecimentos em que estive envolvida, na minha vida antes dela nascer, ou de episódios de quando eu própria era miúda, fica com um ar sonhador, mesmo perplexo, e pergunta-me, curiosa, pestanejando os seus grandes olhos castanhos

- Mamã, e onde é que eu estava?

Quando lhe respondo que ainda não era nascida ou que ainda nem sequer estava na barriga da mamã, fica desconfiada, como se não visse vantagem na existência de um mundo anterior ao seu nascimento.

A (in)compreensão do “antes de mim”, nesta idade, é semelhante à (in)compreensão do que significa morrer.

Nestes últimos tempos temos visto filmes de desenhos animados em que existem personagens que ficam órfãos. Dei-me conta, no outro dia, que ela percebeu, no seu pequeno grande coração, o que significaria perder os pais, porque se identificou com o Marco. Lembram-se do Marco? “Era um porto, italiano...”? Puro sadismo em forma de desenhos animados. Bom, adiante...

Encostou-se ao meu braço e disse com ar decidido

- Mas eu não vou ficar sem ti!

Abracei-a enternecida, e beijei-a desenfreadamente, desesperada por não lhe poder jurar que isso jamais acontecerá. Disse-lhe que também eu não queria, nunca, ficar sem ela!

terça-feira, 13 de março de 2007

"Por falta de apoios, espantalho já não vai ao Guinness"


À


primeira vista, julguei que a notícia tivesse a ver com o acompanhamento do processo de despedimentos em massa na Administração Pública que o nosso Governo leva actualmente a cabo. Pensei que o título daria conta de que o Primeiro-Ministro se está a atrasar, sabendo-se que, a meio do mandato, ainda lhe falta pôr na rua um pouco mais de 69.000 pessoas para cumprir os ambiciosos objectivos que estabeleceu há coisa de dois anos atrás. O tempo começa a escassear, e o espantalho correria o risco de ”não ir ao Guiness”, em sentido metafórico.

Mas não. A notícia tem a ver com espantalhos normais, daqueles que vestem mal. Daí que eu tenha descoberto logo à terceira linha que a notícia não poderia ter a ver com José Sócrates. Então se eu falhei por ter percebido mal, porquê estar agora a escrever sobre a notícia? É que mesmo não tendo directamente a ver com o Primeiro-Ministro, não consigo deixar de pensar que a frase “Espantalho já não vai ao Guiness” resume extraordinariamente bem não só o estado actual do nosso país, como o estado psicológico da maioria dos portugueses.

De certo modo, estamos a tornar-nos num grande espantalho europeu, e resta-nos agora apostar (dentro do reduzido leque de possibilidades que se colocam a uma figura tão pouco polivalente como um espantalho) em diferenciar-nos pelo tamanho físico: Ena!, só de imaginar um dia sermos “o maior espantalho da Europa, ou talvez até do MUNDO!!”… A agro-pecuária francesa, a indústria alemã, a banca espanhola, todos eles vergados perante nós, reconhecendo humildemente: “Sim senhor, que grande espantalho tendes! É obra, temos de reconhecer!”. Tomem lá e embrulhem!, disto não sabem vocês fazer.

Refere a notícia que, no final da nona edição do “Macinhata Espanta”, no ano passado, as organizadoras do evento, cansadas e desiludidas, “(…) já nem sequer recolheram as centenas de espantalhos, espalhados pela freguesia. “Deixámo-los morrer como morrem os espantalhos: deitados no chão”, dizem, lamentando nunca ter havido a preocupação de colocar placas de localização do evento.” Com Portugal é a mesma coisa: parece nem sequer haver a preocupação de colocar placas de sinalização alertando para o facto de ainda existirem pessoas dentro do País. É que ainda sobram algumas, embora se reconheça que só atrapalham.

A emergência deste novo modelo de desenvolvimento para Portugal já tem, aqui e ali, os seus ecos. A espantalhofilia, como novo paradigma de especialização produtiva, parece encontrar apoio em personalidades como o Prof. César das Neves, que ainda ontem, no DN, alertava para o facto de os portugueses viverem excessivamente preocupados com realidades longínquas, que, bem vistas as coisas, não só não lhes dizem respeito, como também não têm impacto real nas suas vidas práticas. Os portugueses, elabora o Prof. César das Neves, preocupam-se em julgar sumariamente as acções de pessoas que não conhecem pessoalmente, de Bill Gates até membros do Governo, intoxicados que estão pela opinião em segunda mão de “comentadores” de autoridade questionável. O Prof. César das Neves prossegue indignando-se com o facto de qualquer “merceeiro” ou “taxista” se arrogar o direito de julgar acontecimentos que se passam lá muito longe, protagonizados por pessoas que nem o taxista nem o merceeiro conhecem. Não se limitando a criticar, o Prof. César das Neves ajuda a procurar uma via melhor, e é então que vem defender o regresso nostálgico a uma espécie de “media de proximidade”, referindo, a título de exemplo, a “botica da esquina”, onde, até há bem poucos anos atrás, bastava entrar para se ficar a saber tudo o que realmente importava para a vida de cada um. No fundo, digo eu, trata-se de desligar a CNN e ir mas é à Dona Aurélia.

Da tese do Prof. César das Neves à economia do espantalho que aflorei ao início, é um salto muito pequenino, mas que urge dar se queremos apanhar o nosso lugarzinho no grande comboio europeu (ainda que no vagão das mercadorias).

Num país onde menos de um terço da população activa tem o Ensino Secundário completo, o que o Prof. César das Neves parece vir propor é que ninguém vá além da sua chinela, e que cada um se preocupe mas é com o que lhe diz respeito, ou seja, com o que acontece no seu bairro, e com as pessoas que cada um conhece pessoalmente.

O país do maior espantalho do mundo, António Oliveira Salazar como “Grande Português”, o recentramento da opinião crítica dos portugueses no bairro de residência… Já não era sem tempo vermos começar a emergir um novo padrão de modernidade para Portugal.

quarta-feira, 7 de março de 2007

É impossível não sentir ternura!

As minhas deambulações na blogosfera levaram-me até aqui. Nao pude ignorar. Ora vejam:

quinta-feira, 1 de março de 2007

Fugas para a frente

Um dos truques para que, de vez em quando, nos possamos aventurar no árduo campo da mudança poderia chamar-se uma fuga para frente. O cobarde que se aventura na frente de batalha, protagoniza-a. Procura assim exorcizar os seus maiores receios. No quotidiano, poderíamos dizer que a fuga para a frente significaria colocarmo-nos, propositadamente, perante um acontecimento que gostaríamos de evitar, tendo em vista ser-nos impossível fugir à mudança (positiva) que este pode desencadear. Mas isso implica consciência do caminho que se quer percorrer. O que impede que o percorramos é a preguiça, o comodismo... e sim, o medo.

Quando esse caminho nos é (ainda?) desconhecido, pergunto-me se procurar ou pôr em prática pequenas estratégias para manter algum entusiasmo, que nos defenda do marasmo em que, dia após dia, vamos gastando banalmente a nossa existência, uns melhor que outros, outros mais sortudos que alguns, alguns ainda mais que outros, serão fugas para a frente. Aceitam-se exemplos.


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

A beleza está nos sítios mais inesperados


Não desfazendo, és mesmo doida, ó sweetjene, poderão vocês dizer, e com razão. Acontece que mesmo nos locais mais hediondos a beleza manifesta-se, de formas inesperadas e improváveis. Quem mo mostrou foi Shaka, d'A Vaidade , a quem agradeço. Ora vejam.




Então, tinha ou não tinha razão? É só preciso saber vê-la.

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Johnny V keeps trying...

(Clique na imagem para a ampliar)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

A Receita

Matutei e matutei sobre a frase "Outsourcing de nos tornarmos melhores pessoas é coisa que não existe". Quem a disse em tom jocoso e cheio de provocação, foi o meu amigo Juanito. O meu amigo tem razão e eu fiz uma descoberta. Descobri que a diferença entre viver obcecada pela culpa, esperando a qualquer momento ter que expiá-la de forma inoportuna, inusitada e dolorosa, e ter consciência que devo, quero e posso pagar a minha dívida ao mundo pela sorte que sempre tive e tenho, sendo proactiva, é a diferença entre a depressão e a saúde.


segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Tudo ficava em ruínas.....

A noite e a madrugada tinham sido muito cansativas porque ela entrou naquelas conversas graves com que já vinha a ameaçar "tu és assim...tu fazes assim...". Quando um entra nisso é muito difícil ao outro ficar de fora, porque ficar de fora é reconhecer logo que nada é já recuperável. Metido nesse diálogo suicida, tive bem consciência do que ele tinha de infantil: há pouco mais de um ano que, em Paris, ficamos encantados com aquele amor que, do cimo do acaso, nos tinha caído nas mãos mas, como as crianças, estávamos a desmanchá-lo para ver como funciona por dentro. Irresponsáveis, estávamos a estragar o presente que o destino nos dera e que, ao longo daqueles meses, tinha sido a nossa força, o nosso recreio e o nosso calor. A certa altura dei-me conta de que, de repente, tudo ficava em ruínas, impossível de reconstruir.

António Alçada Baptista, O riso de Deus

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Não tenho memória nenhuma!

Como é possível que me acusem de o ter morto se eu me tinha esquecido de que a pistola estava carregada? Toda a gente sabe que não tenho memória nenhuma. E ainda dizem que a culpa é minha? É o cúmulo, palavra de honra!

Max Aub, Crimes Exemplares

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Frase do dia

O estado proíbe ao indivíduo a prática de actos infractores, não porque deseje aboli-los, mas sim porque quer monopolizá-los.

Sigmund Freud

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

As manhãs de Juanito

Tratava dos canários
Dava de comer à mula
Ficava imóvel meia-hora

Todas as manhãs
Tratava dos canários
Dava de comer à mula
E ficava imóvel meia-hora

Nunca era premeditada essa paragem de meia-hora
Acontecia
Todas as manhãs

Talvez fosse a pausa depois de dar de comer à mula
O momento que se escoava, lento

Parecia haver um tempo natural
Desde que tratava dos canários
Até que dava de comer à mula

Não era nunca um problema
Passar dos canários
Para a mula

Acontecia
Todas as manhãs

Era a pausa
Depois de dar de comer à mula
Que o aturdia

Uma pausa enorme

Sabia muito bem o que ia fazer a seguir
Sabia até muito bem

Sabia que a seguir ia ele comer
Depois de dar de comer à mula

Mas não conseguia mexer-se

Ficava imóvel meia-hora
Fixando o deserto

Por vezes fixando a adega

Outras vezes fixando a bomba do poço

Variava a direcção para onde calhava olhar
No momento em que a imobilidade o tolhia

Chegou ao ponto de ansiar por esse momento
Em que ficava imóvel meia-hora

Era o ponto alto da sua manhã

Tratava dos canários
Dava de comer à mula
Ficar imóvel meia-hora


by Sam Shepard - Motel Chronicles / Crónicas Americanas

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

A pressão social para a procriação

Todas as minhas amigas mais próximas estão actualmente muito grávidas do seu segundo filho ou já o tiveram. Muitas das minhas colegas também. A grande maioria delas (ou de quem as rodeia) não se cansam de me interpelar: “Então, e quando é que é a tua vez?” ou “Não dás um irmãozinho à tua filha”?

Na verdade, não digo que o relógio biológico não tenha já acusado, mais que uma vez, que vai sendo tempo de repetir a dose. Mas logo substituo as românticas e ternurentas imagens (e recordações) de um bebé bem cheiroso, pelas marcas óbvias de noites sem dormir, rugas, cabelos brancos e costas completa e assustadoramente rebentadas, e perco de imediato a vontade. Estou muito feliz com uma filha. E, verdade seja dita, educar filhos custa caro.


Outro dia comentava com uma colega minha - uma jovial e atraente mulher de 50 anos, com 3 filhos já criados - que não estava nada certa de querer ter mais filhos. Para a provocar disse-lhe que em vez disso preferia ir juntando dinheiro para fazer uma plástica, quando chegasse à idade dela. Apoiou-me, com entusiasmo referindo que ter filhos para responder à pressão social constituía um mau projecto. Identifiquei-me com aquilo. Fiz o mesmo comentário a uma das minhas amigas mais próximas, da minha idade, que acabou de descobrir que está grávida do seu segundo filho. Ficou chocada e, amigavelmente, só faltou chamar-me fútil. Disse-me que eu, afinal, me parecia com a sweetjane...

A verdade é esta, não afasto a hipótese de ter mais filhos, se isso constituir um projecto de vida para mim e para o meu companheiro. Também é muito provável que, mesmo não tendo mais filhos, nunca faça qualquer plástica. Ter mais um filho para “dar um irmão à minha filha” é que, realmente, jamais constituirá motivação para mim.