terça-feira, 27 de março de 2007

Famous last words

Hum, hum, dizia ele, enquanto fingia prestar atenção ao que ela dizia. Estava perdido nos seus pensamentos e de quando em vez assentia com a cabeça. A gaja era boa, mas só falava de coisas profundamente desinteressantes. Qualquer coisa sobre o seu local de trabalho, a forma como se sentia desvalorizada, o relógio biológico, a casa de férias da família, na Granja. Até do trânsito falava. Falava pelos cotovelos. Parecia genuinamente acreditar que a sua função era falar enquanto a dele era ouvir. Talvez quisesse impressionar no primeiro encontro, talvez não lidasse bem com o silêncio.

Para ajudar, as conversas no restaurante, nas mesas à volta da deles eram infinitamente mais estimulantes, quanto mais não fosse pela exigência implícita de serem decifradas, o que impunha tentar perceber meias palavras, tirar umas pelas outras.

Isto não vai a lado nenhum, pensava ele, enquanto dizia hum, hum, até que foi subitamente interpelado por ela, que dizia em tom de simultânea mágoa e desafio:

- Não me estás a ouvir...

Jurou-lhe que sim, com ar de inocente pecador. Jurou-lhe que ouvira tudo.

- Ah sim? Então como é que se chama o meu anel?

Foda-se, agora é que me apanhaste, não faço puto ideia, pensou ele, sorrindo. Nem se havia dado conta que ela tinha um anel. Em compensação já decidira que o soutien era copa 40, embora ainda estivesse indeciso quanto ao melhor dos números, 6 ou 9, que ela exibia na justa camisola desportiva, um de cada lado da profunda clivagem. Portanto, se nem tinha visto o anel, quanto mais ter percebido que este tinha um nome. Respondeu-lhe que o anel se chamava “jack”. Ela ficou tocada. Respondeu-lhe com uma certa categoria:

- Não, não é “jack”! (abanou a cabeça de forma deselegante e ofendida, com ar de escarninho, enquanto pronunciava “jack” lentamente). Chama-se “japanese garden”. Com “jack” só existe o “jota” em comum. Não estavas com atenção à conversa.

Apesar da conlcusão óbvia com que a outra rematara a frase, jurou-lhe que estava com atenção. Tanta que até ouvira, através dela, a conversa da mesa que ficava atrás, em que alguém falava de um tal “jack”. Ela seria um tanto ou quanto estúpida mas tudo tem os seus limites.

- Devia ser o “jack o estripador”,

dizia ela enquanto se levantava, empunhando a faca, ameaçadora. E continuou,

- Somos casados, por acaso, para que ignores o que eu digo?

O guardanapo caiu no chão, quando se levantou. Ele olhava para ela, mesmerizado. Enquanto ela se afastava em direcção à saída, o seu telemóvel tocou. Era mesmo estúpida. Em todo o caso, aquilo não ia mesmo a lado nenhum.

1 comentário:

Touro Zentado disse...

Gostei! Hehe! Gostei mesmo!