sábado, 27 de janeiro de 2007

Afinal a culpa é minha?

Sou uma previlegiada, sei que o sou, e sinto culpa por sê-lo. É uma culpa indefinida, neurótica, que resulta do confronto com o facto de outros terem vidas e situações muito piores que a minha. É uma culpa que tem que ver com a insegurança sobre o meu próprio valor e sobre as minhas conquistas. É uma culpa que tem que ver com a sensação de desmerecimento e com a baixa-auto-estima. Isto é muito tramado porque não me deixa apreciar completamente as coisas boas da vida.


Confronto todos os meus sucessos, conquistas, resultados positivos, com o facto de outros, menos afortunados, não poderem ou conseguirem tê-los. Como se afinal a culpa disso fosse minha. Tento sublimar esta culpa contribuindo para causas justas, enviando donativos para os Médicos do Mundo, dando sangue, comprando a revista CAIS. Não o faço apenas por solidariedade, mas também para conseguir sobreviver com mais saúde ao peso desta culpa miserável, que tanta insegurança me dá e que me impede verdadeiramente de usufruir de coisas boas. Falar aqui de algumas das minhas formas de lidar com esta culpa faz parte do processo de sublimação da dita. Ou será que apenas procuro legitimar essas opções transferindo para o exterior o locus de controle?


Esta “estranha forma de vida” agudiza-se, por exemplo, na quadra natalícia. Não sou capaz de comer calmamente um petisco especial, sem pensar nas pessoas que naquele momento estão na rua ao frio e com fome. Não ajudo a minha filha a adormecer, sem pensar que áquela hora estão milhares de crianças a passar frio, em Portugal. Não consigo inteiramente apreciar a alegria da minha filha com os presentes (a orgia de presentes) que recebe, sem pensar nas crianças que não têm um único presente para abrir áquela hora, naquele Natal. Bem sei que são dilemas muito burgueses. Mas o que é que eu hei de fazer?


Tenho vergonha de me sentir feliz e tenho medo da possibilidade de o ser, porque, no fundo no fundo, tenho medo de não merecer sê-lo.


Esta ambivalência, entre insegurança e presunção, empurra-me constantemente para comportamentos que traduzem a necessidade de provar que sou digna, que sou trabalhadora, que sou inteligente, que sou uma boa mãe, no fundo, provar que mereço a sorte que tenho. Tento provar que sou suficientemente boa, apavorada não só de que alguém afinal descubra que não o sou, mas ainda que o apregoe aos sete ventos.


Sobre os dilemas burgueses sobre a felicidade recordo o interessante contributo de Juanito, intitulado "A Chave".


1 comentário:

Juanito disse...

É ver o meu comentário em http://3fids.blogspot.com/2007/01/n-o-desfazendo-s-mesmo-doida-sweetjane.html