quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

A ANATOMIA DE FOUTO - Episódio 1

C
asa de Maria João Fouto – Duche da casa-de-banho – Maria João está a tomar um duche e senta-se no fundo da banheira, enquanto água tépida lhe percorre o corpo.

Maria João (Voz off): Lembram-se quando eram pequenos e a vossa maior preocupação era, tipo, se iam ou não receber uma bicicleta nos anos, ou se ainda havia em casa um resto daquelas bolachas com recheio amarelo que pudessem comer ao pequeno-almoço... Ser adulta e trabalhar na IGUAL? Uma grande merda.

Edifício da IGUAL – Exterior – Dia – Maria João está na rua, já vestida, e caminha para a entrada do edifício.

Maria João (Voz off): Sejamos sinceros. Não se deixem enganar pelos tostões que agora vos pagam no emprego, e que dão para umas férias no estrangeiro uma vez por ano. Pelos sapatos caros que podem comprar, pelo sexo que podem fazer ou pela ausência dos vossos pais a mandarem em vocês. Ser adulta e trabalhar na IGUAL significa responsabilidade.

IGUAL – Interior - Dia – Maria João e Ana Duvall estão numa secretária e conversam acerca do futuro da IGUAL. Ana Duvall informa que tudo muda na vida, e que a IGUAL não foge à regra. Chegados ao final de 2006, e estando Duvall saturada do FSE, a IGUAL será agora um bloco médico-cirúrgico, e técnicos como Maria João serão a partir de agora médicos/cirurgiões, em substituição das antigas tarefas. Maria João está chocada. Tenta alertar Ana Duvall para o facto de as suas habilitações nada terem a ver com Medicina. Ana Duvall não parece preocupar-se, e tenta mostrar a Maria João o calendário das cirurgias já programadas.

Maria João (Voz off): Responsabilidade. Imprevisibilidade. Loucura. Foda-se.

Maria João pergunta como é possível Ana Duvall estar a informá-la só agora e já a ter destacada para uma cirurgia ao coração daí a algumas horas, segundo o calendário. Maria João pergunta a Ana Duvall se tem mesmo de ser ela a assegurar isso. Ana Duvall lamenta, mas chama a atenção de Maria João para o facto de António Sousa já estar completamente ocupado em Proctologia, de Sandra Almeida estar a preparar-se para remover um baço e de Nuno Lima estar a braços com a reconstituição do fémur de um ciclista que partiu a perna. Ana Duvall pergunta a Maria João se ela teria mesmo coragem para deixar uma cirurgia cardíaca unicamente nas mãos do enfermeiro Garcia.

Maria João (Voz off): Foda-se. Foda-se. Foda-se.

IGUAL – Sala de operações (antiga sala “Questões Gerais”) - Dia – Maria João está numa sala de operações com o enfermeiro Garcia. É suposto operarem o coração de uma mulher – “Roberta Santos”, de acordo com a ficha. O enfermeiro Garcia olha, alternadamente, para a paciente anestesiada e para Maria João. “O que é que fazemos agora, ó Doutora?!”, pergunta, desorientado.

Maria João (Voz off): Adultos têm de aturar loucuras de outros adultos. Adultos têm de fazer coisas que outros adultos lhes mandam fazer. Adultos têm de estar a certas horas em certos sítios. E fazer certas coisas. Mesmo que não as saibam fazer. Porque se tem de ganhar um ordenado. Para pagar a casa, o carro, a comida... Foda-se.

Sandra Almeida entra de rompante na sala. “Não faças nada!”, grita para Maria João. “Eu asseguro”, declara, afastando-a para o lado. Um pouco surpresa, Maria João pergunta-lhe se não era suposto ela estar a extrair um baço. “Já fiz”, dispara Sandra Almeida. “Mas como é que conseguiste?!” - Maria João parece não acreditar. Ainda ontem falavam acerca de visitas de acompanhamento a projectos de formação, e hoje Sandra Almeida está a dizer-lhe que extraiu um órgão a uma pessoa viva, em cirurgia. Sandra Almeida explica que não correu bem, e que depois de ter extraído o órgão, “aquilo era sangue por todos os lados”, e portanto o doente foi encaminhado para as emergências, que não são da responsabilidade dela. A sua responsabilidade – extrair o baço – foi cumprida. Como o paciente teve de ser levado para as urgências, ela acabou mais cedo, e pôde vir assegurar a cirurgia que estava a cargo de Maria João, “avançando-se assim mais rapidamente” nas cirurgias programadas. A intervenção cirúrgica inicia-se, e pelo menos aparentemente vai correndo bem, com Maria João a passar a Sandra Almeida os mais variados instrumentos - a princípio com atenção redobrada e muito cuidado, mas depois com crescente indiferença, ao verificar que também para Sandra Almeida é indiferente a utilização deste ou daquele utensílio cirúrgico. É uma questão de 20 minutos para Maria João estar a segurar nas suas mãos o coração de Roberta Santos. Num misto de ansiedade, pânico, e frustração profissional, Maria João começa a ter um ataque de sono, daqueles que dão lágrimas se se insiste em manter os olhos abertos. Por uns segundos, Maria João dormita e inclina-se para a direita, ainda com o coração de Roberta nas mãos. Sandra Almeida repara e pergunta a Maria João o que se passa. Maria João responde que a mão dela deslizou, mas parece preocupada enquanto se justifica. Sandra Almeida responde “Ah, OK, não há problema”, e dá a cirurgia por terminada. Diz então a Maria João que pode largar o coração na cavidade cardíaca, mas com muito cuidado. É o que Maria João faz.

Maria João (Voz off): Faz saudades das bicicletas e das bolachas com recheio amarelo, não faz?

Maria João parece preocupada após largar o coração. Olha para a luva da sua mão direita, esfrega os dedos um no outro e desvia a cara para o lado, escondendo um ar de preocupação.

IGUAL – Galeria de observação da sala de operações - Dia – António Sousa, Nuno Lima, Rui Antunes e o restante corpo médico residente observam o final da cirurgia através de uma parede de vidro. Rui Antunes fala sobre o seu desejo de segurar um coração. António Sousa, de bata, lembra-lhe que ele não é um residente como ele (Sousa), e apenas lhe está cometida a lavagem dos pisos. Antunes fica triste. Sousa desabafa confessando não compreender porque Ana Duvall, ou a própria Sandra Almeida, não o convidaram para a cirurgia cardíaca. O pager de António Sousa começa a tocar. Sousa resmunga impropérios, levanta-se e sai. Nuno Lima, observando atentamente a cirurgia, alerta para o facto de parecer haver um problema: “Não percebo nada disto, mas parece que aconteceu uma merda qualquer”, alerta.

IGUAL – Sala de operações (antiga sala “Questões Gerais”) - Dia – O coração da paciente não está a bater bem, e Sandra Almeida está a perder Roberta Santos, que entra em paragem cardíaca. “Bolas, não me digas que é o segundo doente que me vai morrer, e ainda não é meio-dia”, desabafa. Sandra Almeida manda Maria João massajar o coração, mas isso não funciona; aplica então um choque eléctrico, e o ritmo cardíaco é restabelecido. Sandra manda Maria João coser o corpo e manter a doente sob observação, e sai. Maria João olha para a luva da sua mão direita e verifica que a unha do seu indicador havia perfurado o latex.

Maria João (Voz off): A parte mais assustadora da responsabilidade? Quando tu fazes asneira.

Fim do 1º episódio



4 comentários:

Anónimo disse...

Ouve lá, a Duvall começa por ser Ana e passa a Susana lá para o meio do dia? Cuméquié?

sweetjane disse...

Realmente, imaginação é o que não falta por essas bandas. E lá no FUDIPS, como é? Também já se adaptaram ao sector hospitalar?

Juanito disse...

Aqui no FUDIPS isto vai ser uma garagem.

Anónimo disse...

Foda-se